Isolado há 20 dias, Acre vive cotidiano de incerteza e preços altos

Isolados há 20 dias por causa da cheia do rio Madeira, os moradores do Acre enfrentam um cotidiano marcado por privações e incerteza, em que os combustíveis começam a rarear nos postos de gasolina, e os alimentos, quando ainda podem ser achados nos supermercados, estão com os preços muito mais altos do que o normal.
As águas do Madeira invadiram a BR-364, a única ligação rodoviária do Acre com o restante do país. A cheia afeta também o oeste de Rondônia e o sul do Amazonas, e nos três estados há cidades em situação de emergência. Em Porto Velho, o Madeira está acima dos 19 metros, o maior nível desde 1982.
A Defesa Civil de Rondônia estima que a BR-364 estará tomada pelas águas até o fim de março. Em alguns trechos da rodovia dentro do estado, a lâmina d'água chega a um metro de profundidade e apenas veículos de grande porte tentam atravessar as águas. Muitos sequer se arriscam.
A invasão da rodovia pelo rio é algo desconhecido para os moradores dos dois estados. Passou a ser lugar-comum na região culpar as hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, ambas no rio Madeira, pelas cheias.
Gasolina
Para os motoristas de Rio Branco, a falta de combustíveis impôs um desafio adicional além dos congestionamentos e da falta de estacionamentos, problemas que enfrentam diariamente na capital acreana.
Vários postos da cidade colocaram cones em frente às bombas, sinalizando que não há gasolina, diesel ou etanol. Nos que ainda há combustível, as filas são gigantescas e os preços, reajustados.
De acordo com a Agência Nacional de Petróleo (ANP), o Acre já tem o combustível mais caro do país. O preço médio do litro da gasolina é R$ 3,30, mas alguns estabelecimentos chegam a vender o litro por até R$ 3,45.
Para não ficar sem gasolina, os motoristas estão optando por sempre manter o tanque cheio. 'É a melhor forma para não ficar no prego, e andar menos com o ar-condicionado ligado', comenta o militar aposentado Camilo Nogueira, que passou em dois postos antes de achar o combustível.
Aldenora Torres reclama da qualidade de legumes e verduras nas gôndolas (Foto: Fabio Pontes/BBC)Aldenora Torres reclama da qualidade de legumes
e verduras nas gôndolas (Foto: Fabio Pontes/BBC)
Alimentos
Nos supermercados, muitos produtos estão faltando e outros, quando estão disponíveis, tiveram uma clara diminuição na oferta e na qualidade. A reportagem esteve em dois supermercados de Rio Branco nesta semana e notou espaços vazios em quase todos os segmentos, dos enlatados aos produtos de limpeza da casa.
Dono da maior rede de supermercados do Acre, Adem Araújo diz que 90% dos gêneros alimentícios consumidos são importados. 'O nosso estoque de hortifrúti é para no máximo três dias. Nos outros produtos, como arroz, feijão, trigo também já há uma redução de estoque, com previsão de durar no máximo mais 20 dias. Já enfrentamos dificuldades para fazer a reposição nas prateleiras, há espaços vazios', diz Araújo.
A funcionária pública aposentada Aldenora Torres seleciona entre os poucos tomates que encontra aqueles menos 'estragados'. 'Estamos pagando caro por produtos sem a mínima qualidade. É preciso selecionar bem para não levar frutas e legumes estragados. Tudo está muito caro, falta o essencial', afirma ela.
Os preços de alguns legumes, além de sofrer os efeitos do isolamento do estado, subiram por conta da entressafra da produção no país, justificou esta semana a Associação de Supermercados do Acre (ASA). 'Antes o que dava para comprar com R$ 100 hoje é impossível. Agora eu desembolso até R$ 140 no que eu comprava por bem menos', diz o comerciante Paulo Sérgio.
Com medo do agravamento da situação, a professora da Universidade Federal do Acre (Ufac) Cláudia Dias decidiu fazer uma pequena estocagem de alimentos. 'Não se sabe o que pode acontecer mais uns dias, os preços continuarão a subir, então prefiro ter alimento suficiente até tudo voltar ao normal', comenta.
Ajuda
O governo pediu ajuda federal para evitar o completo desabastecimento de alimentos. Três aviões de carga da Força Aérea Brasileira (FAB) fazem o transporte de alimentos entre Porto Velho e Rio Branco.
Os empresários dizem que a logística, contudo, não atende às necessidades do mercado. O setor de supermercados avalia que há um consumo de cem toneladas diárias de hortifrúti. Segundo o governo do Acre, desde o dia 24 de fevereiro a FAB realizou 44 voos, totalizando 320 toneladas transportadas.
'O maior risco para o consumidor não é o aumento de preços, mas não haver o produto', diz Jurandi Aragão, presidente da Associação Comercial e Industrial do Acre (Acisa).
Enquanto parte dos alimentos chega pelos céus, os combustíveis e o gás têm como única opção os rios. A principal fornecedora de gás no Norte, a Fogás, levou para o Acre 900 toneladas de gás em duas balsas.
Para este fim de semana está prevista a chegada de uma embarcação com 5 milhões de litros de combustíveis, entre gasolina e óleo diesel.

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